Clown
era um palhacinho de pano muito bonitinho e colorido. Tinha as bochechas bem
rosadas e o nariz e a boca bem pintados de vermelho. Suas roupas tinham mais
cores do que o arco-íris, e seus cabelos eram feitos de uma lã bem alaranjada.
Era um brinquedo bem encantador. Clown
só tinha um defeito, era antigo demais. Ele estava naquela família já há muitas
gerações, a Tataravó Dita o havia construído e desde então ele passava de mão
em mão, de pai pra filho.
Um
dia, Clown foi para as mãos de Pedro, quando este acabara de fazer sete anos.
Foi amor à primeira vista.
Por
onde Pedro ia, fazia questão de levar
Clown junto. Se ele ia jantar, o palhacinho tinha um lugar à mesa; se ia para a
escola, Clown ia escondido no fundo da mochila; se ia viajar, Clown certamente
ia junto. E assim o tempo foi passando, até Pedro completar nove anos. Agora o
garoto tinha outros amigos, humanos como ele, com quem Pedro passava as tardes
jogando videogame, futebol e irritando as meninas. Percebendo que havia sido
substituído, Clown se retirou tristemente para uma prateleira esquecida.
Tempo
se passou e Pedro completou dez anos. Sua madrinha lhe presenteou com um boneco
de ação, daqueles que vem com armas e uma roupa camuflada, Pedro ficou tão
empolgado com o boneco novo que passou a tarde toda brincando com ele,
nomeando-o seu novo brinquedo favorito. Naquela mesma noite, enquanto Pedro
dormia, o boneco de ação recebeu todas as atenções dos outros brinquedos. Todos
estavam admirados com a quantidade de acessórios que ele carregava. Clown,
enciumado, gritou do alto da prateleira:
-
Se gabe enquanto pode, o dia em que você ficar velho vai estar nessa prateleira
junto comigo!
O
boneco, sem nenhum tipo de rancor ou zombaria pelo comentário feito por Clown,
respondeu:
-
Ué, por que você não vai até a Fábrica Encantada?
-
Fábrica Encantada? Nunca ouvi falar! – disse Clown.
-
Ora, nunca ouviu falar? É por isso que está reclamando, então! Lá na Fábrica
eles consertam os brinquedos e os deixam novinhos! Depois te devolvem ao seu
dono!
-
Sério? Puxa, então eu devo ir pra lá agora mesmo! Tenho certeza de que se ficar
novo em folha, Pedro vai voltar a brincar comigo!
-
É fácil chegar lá – disse o boneco de ação – é só seguir em direção ao norte!
-
Só isso?! Que simples!- exclamou Clown empolgado.
-
Mas cuidado, viu! Você tem que estar lá antes do dia 24 do próximo mês, ou
então só será entregue ano que vem!
-
Então vou partir agora mesmo!
Clown
pulou da prateleira e se dirigiu à janela aberta. Todos os outros brinquedos
soltaram desejos de boa sorte, e assim, ele iniciou sua jornada.
Quando
o Sol já estava a pino, Clown perguntou-se se ainda falta muito para chegar a
tal Fábrica. Quando anoiteceu, achou que talvez devesse voltar pra casa, mas
ficou cansado demais só de imaginar o caminho de volta, então foi adiante. No
final da primeira semana, se arrependeu de não ter voltado enquanto podia, mas
pensou em Pedro brincando com ele novamente, então continuou o caminho.
Na
segunda semana ele pegou um barco, e quase foi destruído pelo cachorro do capitão,
não fosse uma caixa de papelão que ele encontrou. Passou o resto da viagem
nela. No início da terceira semana, o barco atracou e Clown voltou a caminhar
em direção ao norte. Conforme ele andava, percebia que ficava mais frio e mais
vazio, até o ponto em que já quase no final da quarta semana, ele se sentia em
um deserto de gelo.
Foi
quando encarou aquela paisagem cheia de neve e o céu escuro que Clown foi
tomado por dúvidas, que geraram um medo enorme dentro dele. Será que ele havia
sido enganado pelos outros bonecos? Será que essa tal fábrica existia mesmo? Ou
será que ele havia tomado o caminho errado? Mas a pior de todas as perguntas
que rodeavam sua cabeça era: Será que vou conseguir voltar pra casa? Assustado
e confuso, Clown começou a chorar.
-
O que houve? – perguntou uma voz feminina às costas de Clown – Por que está
chorando?
Clown
se virou e viu uma boneca de plástico com cabelos louros, em estado quase
perfeito, não fosse pela falta da perna direita.
-
Não houve nada! – respondeu enquanto limpava seu rosto, encabulado - Só acho que estou perdido!
-
Está indo pra Fábrica?
-
Como sabe? – exclamou espantado.
-
Ora, aonde mais se iria por aqui?! – respondeu ironicamente enquanto apontava
para o deserto de neve.
-
Tem razão! – Clown riu da própria ingenuidade.
-
Meu nome é Elsa, se quiser, pode vir comigo! Também estou indo pra lá, uma
criança arrancou minha perna então estou precisando ser consertada!
-
Claro que vou com você! Me chamo Clown, e preciso de umas reformas também!
-
Todos que vão à Fábrica precisam! Eu vou toda hora, não tem um ano em que não
arranquem minha cabeça, braços ou pernas, já estou até acostumada!
Clown
e Elsa conversaram durante todo o caminho, até que Elsa apontou em direção à
uma cabana, toda iluminada e enfeitada. Foi a casa mais linda que Clown já
havia visto em toda a sua vida.
-
Uau! – exclamou admirado, enquanto se aproximavam da porta - Quem será que mora
por aqui?
-
Jura que você não sabe? – disse Elsa perplexa.
-
Não, nunca vim aqui antes!
-
Mas não precisa ter vindo aqui para saber, até os humanos sabem! É o...
Neste
momento, Elsa foi interrompida. A porta se abriu e um senhor de barba branca
bem comprida e roupas vermelhas saiu de dentro da cabana.
-
Chegaram bem na hora! - disse de bom –humor – eu ia partir daqui há duas horas!
Vamos, entrem, entrem! Está frio demais aqui fora!
Clown
ficou mudo perante aquela figura. Ele sabia quem ele era, mas apesar de ser um
brinquedo, nunca achou que ele realmente existisse.
-
Elsa, - continuou o bom velhinho – Vou começar a achar que você arranca suas
pernas de propósito só pra vir me ver, ho, ho, ho! Todo o ano você vem aqui!
-
Não é minha culpa que as crianças de hoje não saibam brincar, Noel!
Noel
foi até uma gaveta e procurou por uma perna direita. Assim que encontrou, colocou
em Elsa.
-
Seu amigo não é de falar muito não é?! – observou enquanto colocava a perna em
Elsa – O gato comeu sua língua, Clown?
-
Sabe meu nome?! – Clown de repente esqueceu-se de seu constrangimento perante
aquela figura lendária.
-
Ho,ho,ho! Claro que eu sei! Sei o nome de todos os brinquedos e crianças do
mundo, meu caro! – virou- se pra Elsa- Pronto querida, novinha em folha! Já
pode voltar ano que vem!
Elsa
riu e prometeu que voltaria.
-
Tchau Clown, - despediu-se do novo amigo – espero te ver de novo também!
-
Também espero! Só espero que não esteja com nada arrancado quando isso
acontecer!
Elsa,
Clown e Noel riram. Elsa despediu-se novamente e entrou na grande sacola
vermelha, aonde milhares de brinquedos esperavam para chegar às suas casas.
Bem-
começou Noel, dirigindo-se à Clown - e agora, que faremos com você?
-
Quero que me conserte, Papai Noel!
Noel
o examinou de cima a baixo, por fim disse:
-
Consertar? Consertar o que? Não vejo nada de errado! Nem um rasgo ou
defeito...você está muito bem cuidado, amigo!
-
Mas sou um boneco antigo! – insistiu - e meu dono não quer mais brincar comigo!
Se você puder me deixar mais novo, tenho certeza de que Pedro vai querer
brincar comigo de novo!
Noel
olhou seriamente para Clown e depois de alguns segundos sorriu bondosamente.
-
Venha comigo, Clown! Vamos levar os outros brinquedos pra casa, e você também!
-
Mas, você não vai me consertar? – espantou-se o boneco.
-
Apenas confie em mim e vamos embora!
Clown
não teve outra alternativa senão obedecer. Acompanhou Noel durante toda a
noite. Quando o último brinquedo foi entregue, Noel levou Clown para casa,
antes de descer do trenó, Clown hesitou, receoso.
-
Não precisa ter medo – disse Noel – Pedro está esperando por você! Fique
embaixo da árvore e verá que eu tenho razão!
Clown
concordou com a cabeça e fez o que Noel mandou.
Ele o viu indo embora pela janela, sendo puxado pelas renas. Quando já
estava bem alto, Clown o ouviu gritar:
-
Feliz Natal, Clown!
Clown
sorriu e esperou ansiosamente até o amanhecer.
-
Toda essa viagem foi pra nada – pensou consigo mesmo- continuo igual à antes!
Será que o Papai Noel está certo? Será que Pedro vai me querer? Mas se ele não
me queria antes, por que vai me querer agora?
De
repente Clown ouve passos se dirigindo à sala. É Pedro correndo para ver o que
Papai Noel havia deixado embaixo da árvore. Ele abriu um sorriso enorme e seus
olhos se iluminaram quando viu que era Clown quem estava lá.
-
Mamãe, você o encontrou! Nem acredito! - Pedro correu em direção ao boneco e o
abraçou – Achei que tinha te perdido! Que bom que o achamos!
Clown
ficou tão feliz, era até difícil de acreditar! Pedro o estava abraçando de
novo. E não foi só naquele momento, Pedro ficou com ele durante todo o dia, e a
noite, o deixou em sua mesa de cabeceira. No dia seguinte, tudo ocorreu da
mesma forma, e nos dias seguintes também. Papai Noel estava certo – pensou o
boneco – Pedro sentiu minha falta!
Ás vezes esquecemos o quanto algo ou alguém é importante,
por que ela está sempre ao nosso lado. Só quando percebemos que a perdemos que
sentimos sua falta, e Noel sabia que era esse o problema entre Clown e Pedro.
Por isso, se algum de vocês tiver alguém que lhes é importante e nunca lhes
disse, diga hoje, agora se possível. Pedro aprendeu, e agora nunca mais deixa
Clown na prateleira esquecida.