Foi quando André sentiu seu rosto molhar que ele percebeu o pavor percorrer pela espinha pela primeira vez.
Misturado ao baque da queda de André, era possível ouvir as risadas dos outros garotos, que apenas assistiam a cena. Ricardo, o líder, usava seu pé para pressionar a face de André contra a larga poça d'água no chão.
- Que trouxa! - André ouviu um dos garotos.
- Fala de novo, Andrézinho! - pediu Ricardo com sarcasmo - Fala de novo, vai!
André não se mexeu, tampouco teve a vontade de abrir a boca para falar o que quer que fosse, ainda mais com sua boca voltada diretamente para a água da rua.
- Tá com vergonha agora, é?! - falou outra voz. André começou a se perguntar quantas pessoas estavam ali.
Mas não teve muito tempo para contar, pois o pé de Ricardo voltou a pressionar sua cabeça contra a poça, e dessa vez, Ricardo pressionou tão forte que as narinas de André adentraram completamente na água. Desesperado por ar, André abriu a boca, soltando um grito involuntário, que provavelmente estava preso há algum tempo.
Ricardo e os outros riram.
- Você não foi um bom menino! - zombou um dos garotos.
- Tá na hora de crescer, Andrezinho! Não dá mais pra ficar acreditando em Papai Noel, não! - falou Ricardo.
André mal podia acreditar que a surra que estava levando era por conta do maldito Papai Noel.
- Para Riqui! - chorou uma voz infantil e familiar para André.
- Arthur, sai daqui! - falou André pela primeira vez, recebendo um soco no estômago logo em seguida.
- Não é pra falar com meu irmão! - Ricardo não estava mais zombateiro como antes. Sua voz agora exalava raiva.
Talvez, de fato, o maior erro de André tenha sido falar com Arthur. Ponderando sobre isso, André não tinha nada que consolar Arthur. Não era da sua conta que o garoto estava chorando porque Ricardo lhe disse que Papai Noel não existia. Ainda assim, André pensou, porque isso chateara tanto Ricardo? Porque falar pra uma criança de oito anos que Papai Noel existe seria motivo para que Ricardo e seu grupo de amigos emboscassem André na volta da escola e levassem ele para trás do prédio?
- Repete agora pro Arthur! - ordenou Ricardo - Fala que Papai Noel existe!
André sentiu o rosto ruborizar. Mas agora não podia andar pra trás, não com Arthur assistindo.
- Papai Noel...existe!
As gargalhadas rasgaram o local. Ricardo retirou seu pé de cima do rosto de André e o puxou pelo colarinho.
- Você me fez perder a paciência! - anunciou Ricardo se preparando para um soco.
André cobriu o rosto com as mãos, esperando pelo pior. Mas tudo o que aconteceu, foi o som de um guizo.
- Quem tá ai? - perguntou Ricardo, ainda zangado.
- Ho...ho...ho...
Não era uma risada natalina, pensou André. Era uma ironia recheada de desprezo. E Ricardo notou também.
- Não tô com paciência! - anunciou o garoto - Aparece ou vai levar surra também!
Todos os olhos procuravam a origem, e então, sem mais nem menos, um vulto arrastou Ricardo de forma tão inesperada, que não deu tempo de ouvir nenhum grito, apenas o som de um guizo.
- Riqui! - gritou Arthur.
André, inconscientemente foi até o garotinho e o abraçou.
Os colegas de Ricardo olhavam para os lados amedrontados. Quando um deles quebrou o gelo do medo e fez menção de fugir, o vulto reapareceu, e com um guizo tocando, o outro garoto também desapareceu.
Um pânico generalizado se formou. Todos gritaram e saíram correndo por lados diferentes. André observou em choque cada um deles sendo arrastados, pelo vulto, o guizo tocando incessantemente, até que....silêncio. Não havia ninguém ali, apenas André e Arthur, que estava em seus braços, chorando.
André olhou para os lados, assustado. Tentava manter a respiração baixa, com medo de que fosse descoberto por sei lá o que.
De repente, um baque. Uma coisa pesada atingiu o chão. O susto fez com que os dois garotos gritassem, mas quando André olhou, percebeu um grande e enorme saco vermelho á sua frente.
- Fica aqui! - falou pra Arthur.
Pé ante pé, André se dirigiu até o saco vermelho.
Com medo e desconfiança, André abriu o saco.
Não houve grito. Não houve choro. O choque de ver Ricardo e seus amigos mortos e desmembrados dentro do grande saco vermelho deixou o menino paralisado.
Percebeu, então, do lado do saco, uma etiqueta, com as palavras escritas em sangue "Feliz Natal!".
O som guizo voltou a tocar, e foi se afastando gradativamente...
quinta-feira, 20 de dezembro de 2018
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