sábado, 21 de dezembro de 2013

A Fábrica Encantada




Clown era um palhacinho de pano muito bonitinho e colorido. Tinha as bochechas bem rosadas e o nariz e a boca bem pintados de vermelho. Suas roupas tinham mais cores do que o arco-íris, e seus cabelos eram feitos de uma lã bem alaranjada. Era um brinquedo bem encantador.  Clown só tinha um defeito, era antigo demais. Ele estava naquela família já há muitas gerações, a Tataravó Dita o havia construído e desde então ele passava de mão em mão, de pai pra filho.
Um dia, Clown foi para as mãos de Pedro, quando este acabara de fazer sete anos. Foi amor à primeira vista.
Por onde  Pedro ia, fazia questão de levar Clown junto. Se ele ia jantar, o palhacinho tinha um lugar à mesa; se ia para a escola, Clown ia escondido no fundo da mochila; se ia viajar, Clown certamente ia junto. E assim o tempo foi passando, até Pedro completar nove anos. Agora o garoto tinha outros amigos, humanos como ele, com quem Pedro passava as tardes jogando videogame, futebol e irritando as meninas. Percebendo que havia sido substituído, Clown se retirou tristemente para uma prateleira esquecida.
Tempo se passou e Pedro completou dez anos. Sua madrinha lhe presenteou com um boneco de ação, daqueles que vem com armas e uma roupa camuflada, Pedro ficou tão empolgado com o boneco novo que passou a tarde toda brincando com ele, nomeando-o seu novo brinquedo favorito. Naquela mesma noite, enquanto Pedro dormia, o boneco de ação recebeu todas as atenções dos outros brinquedos. Todos estavam admirados com a quantidade de acessórios que ele carregava. Clown, enciumado, gritou do alto da prateleira:
- Se gabe enquanto pode, o dia em que você ficar velho vai estar nessa prateleira junto comigo!
O boneco, sem nenhum tipo de rancor ou zombaria pelo comentário feito por Clown, respondeu:
- Ué, por que você não vai até a Fábrica Encantada?
- Fábrica Encantada? Nunca ouvi falar! – disse Clown.
- Ora, nunca ouviu falar? É por isso que está reclamando, então! Lá na Fábrica eles consertam os brinquedos e os deixam novinhos! Depois te devolvem ao seu dono!
- Sério? Puxa, então eu devo ir pra lá agora mesmo! Tenho certeza de que se ficar novo em folha, Pedro vai voltar a brincar comigo!
- É fácil chegar lá – disse o boneco de ação – é só seguir em direção ao norte!
- Só isso?! Que simples!- exclamou Clown empolgado.
- Mas cuidado, viu! Você tem que estar lá antes do dia 24 do próximo mês, ou então só será entregue ano que vem!
- Então vou partir agora mesmo!
Clown pulou da prateleira e se dirigiu à janela aberta. Todos os outros brinquedos soltaram desejos de boa sorte, e assim, ele iniciou sua jornada.
Quando o Sol já estava a pino, Clown perguntou-se se ainda falta muito para chegar a tal Fábrica. Quando anoiteceu, achou que talvez devesse voltar pra casa, mas ficou cansado demais só de imaginar o caminho de volta, então foi adiante. No final da primeira semana, se arrependeu de não ter voltado enquanto podia, mas pensou em Pedro brincando com ele novamente, então continuou o caminho.
Na segunda semana ele pegou um barco, e quase foi destruído pelo cachorro do capitão, não fosse uma caixa de papelão que ele encontrou. Passou o resto da viagem nela. No início da terceira semana, o barco atracou e Clown voltou a caminhar em direção ao norte. Conforme ele andava, percebia que ficava mais frio e mais vazio, até o ponto em que já quase no final da quarta semana, ele se sentia em um deserto de gelo.
Foi quando encarou aquela paisagem cheia de neve e o céu escuro que Clown foi tomado por dúvidas, que geraram um medo enorme dentro dele. Será que ele havia sido enganado pelos outros bonecos? Será que essa tal fábrica existia mesmo? Ou será que ele havia tomado o caminho errado? Mas a pior de todas as perguntas que rodeavam sua cabeça era: Será que vou conseguir voltar pra casa? Assustado e confuso, Clown começou a chorar.
- O que houve? – perguntou uma voz feminina às costas de Clown – Por que está chorando?
Clown se virou e viu uma boneca de plástico com cabelos louros, em estado quase perfeito, não fosse pela falta da perna direita.
- Não houve nada! – respondeu enquanto limpava seu rosto, encabulado -  Só acho que estou perdido!
- Está indo pra Fábrica?
- Como sabe? – exclamou espantado.
- Ora, aonde mais se iria por aqui?! – respondeu ironicamente enquanto apontava para o deserto de neve.
- Tem razão! – Clown riu da própria ingenuidade.
- Meu nome é Elsa, se quiser, pode vir comigo! Também estou indo pra lá, uma criança arrancou minha perna então estou precisando ser consertada!
- Claro que vou com você! Me chamo Clown, e preciso de umas reformas também!
- Todos que vão à Fábrica precisam! Eu vou toda hora, não tem um ano em que não arranquem minha cabeça, braços ou pernas, já estou até acostumada!
Clown e Elsa conversaram durante todo o caminho, até que Elsa apontou em direção à uma cabana, toda iluminada e enfeitada. Foi a casa mais linda que Clown já havia visto em toda a sua vida.
- Uau! – exclamou admirado, enquanto se aproximavam da porta - Quem será que mora por aqui?
- Jura que você não sabe? – disse Elsa perplexa.
- Não, nunca vim aqui antes!
- Mas não precisa ter vindo aqui para saber, até os humanos sabem! É o...
Neste momento, Elsa foi interrompida. A porta se abriu e um senhor de barba branca bem comprida e roupas vermelhas saiu de dentro da cabana.
- Chegaram bem na hora! - disse de bom –humor – eu ia partir daqui há duas horas! Vamos, entrem, entrem! Está frio demais aqui fora!
Clown ficou mudo perante aquela figura. Ele sabia quem ele era, mas apesar de ser um brinquedo, nunca achou que ele realmente existisse.
- Elsa, - continuou o bom velhinho – Vou começar a achar que você arranca suas pernas de propósito só pra vir me ver, ho, ho, ho! Todo o ano você vem aqui!
- Não é minha culpa que as crianças de hoje não saibam brincar, Noel!
Noel foi até uma gaveta e procurou por uma perna direita. Assim que encontrou, colocou em Elsa.
- Seu amigo não é de falar muito não é?! – observou enquanto colocava a perna em Elsa – O gato comeu sua língua, Clown?
- Sabe meu nome?! – Clown de repente esqueceu-se de seu constrangimento perante aquela figura lendária.
- Ho,ho,ho! Claro que eu sei! Sei o nome de todos os brinquedos e crianças do mundo, meu caro! – virou- se pra Elsa- Pronto querida, novinha em folha! Já pode voltar ano que vem!
Elsa riu e prometeu que voltaria.
- Tchau Clown, - despediu-se do novo amigo – espero te ver de novo também!
- Também espero! Só espero que não esteja com nada arrancado quando isso acontecer!
Elsa, Clown e Noel riram. Elsa despediu-se novamente e entrou na grande sacola vermelha, aonde milhares de brinquedos esperavam para chegar às suas casas.
Bem- começou Noel, dirigindo-se à Clown - e agora, que faremos com você?
- Quero que me conserte, Papai Noel!
Noel o examinou de cima a baixo, por fim disse:
- Consertar? Consertar o que? Não vejo nada de errado! Nem um rasgo ou defeito...você está muito bem cuidado, amigo!
- Mas sou um boneco antigo! – insistiu - e meu dono não quer mais brincar comigo! Se você puder me deixar mais novo, tenho certeza de que Pedro vai querer brincar comigo de novo!
Noel olhou seriamente para Clown e depois de alguns segundos sorriu bondosamente.
- Venha comigo, Clown! Vamos levar os outros brinquedos pra casa, e você também!
- Mas, você não vai me consertar? – espantou-se o boneco.
- Apenas confie em mim e vamos embora!
Clown não teve outra alternativa senão obedecer. Acompanhou Noel durante toda a noite. Quando o último brinquedo foi entregue, Noel levou Clown para casa, antes de descer do trenó, Clown hesitou, receoso.
- Não precisa ter medo – disse Noel – Pedro está esperando por você! Fique embaixo da árvore e verá que eu tenho razão!
Clown concordou com a cabeça e fez o que Noel mandou.  Ele o viu indo embora pela janela, sendo puxado pelas renas. Quando já estava bem alto, Clown o ouviu gritar:
- Feliz Natal, Clown!
Clown sorriu e esperou ansiosamente até o amanhecer.
- Toda essa viagem foi pra nada – pensou consigo mesmo- continuo igual à antes! Será que o Papai Noel está certo? Será que Pedro vai me querer? Mas se ele não me queria antes, por que vai me querer agora?
De repente Clown ouve passos se dirigindo à sala. É Pedro correndo para ver o que Papai Noel havia deixado embaixo da árvore. Ele abriu um sorriso enorme e seus olhos se iluminaram quando viu que era Clown quem estava lá.
- Mamãe, você o encontrou! Nem acredito! - Pedro correu em direção ao boneco e o abraçou – Achei que tinha te perdido! Que bom que o achamos!
Clown ficou tão feliz, era até difícil de acreditar! Pedro o estava abraçando de novo. E não foi só naquele momento, Pedro ficou com ele durante todo o dia, e a noite, o deixou em sua mesa de cabeceira. No dia seguinte, tudo ocorreu da mesma forma, e nos dias seguintes também. Papai Noel estava certo – pensou o boneco – Pedro sentiu minha falta!

            Ás vezes esquecemos o quanto algo ou alguém é importante, por que ela está sempre ao nosso lado. Só quando percebemos que a perdemos que sentimos sua falta, e Noel sabia que era esse o problema entre Clown e Pedro. Por isso, se algum de vocês tiver alguém que lhes é importante e nunca lhes disse, diga hoje, agora se possível. Pedro aprendeu, e agora nunca mais deixa Clown na prateleira esquecida.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Nostalgia



Uma coisa curiosa sobre a nostalgia é a capacidade de romantizar o nosso passado. Os momentos reavidos em nossa mente são apenas os bons, aqueles momentos felizes e cheios de cor! Os ruins e cinzentos  até surgem de vez em quando,  mas esses, ah esses são extramamente amenizados e acorbetados por esse sentimento de saudade daquilo que costumávamos ser e ter.

Pude perceber isso melhor quando um evento recente em minha vida me fez voltar um pouco ao passado, lá pros inícios da minha adolescência. Duas pessoas que costumavam ser extremamente importantes pra mim naquela época tomaram meus pensamentos. Obviamente, nós não nos falamos mais - ao menos, não da forma como nos falávamos - , e eu me perguntei qual teria sido o motivo deles terem se distanciado, e principalmente, o motivo de eu  ter aceitado essa distância, já que eu os julgava as duas pessoas que envelheceriam ao meu lado. A busca para essas respostas  não demorou muito, bastou dar algumas olhadas em e-mails antigos, as últimas conversas, cartas e bilhetes para saber o que havia acontecido entre a gente: mágoas acumuladas.

Não sou uma expert quando se trata de psicologia, nem sequer li algum livro a respeito, mas penso que quando alguém acumula muita mágoa, raiva e decepção dentro de si, pode acabar gerando um distanciamento automático da pessoa que gerou esses sentimentos. Pois é, foi exatamente isso o que houve. De ambas as partes.

Como poderia se evitar esse tipo de situação? Afinal, eram as pessoas mais importantes para mim na época! Como pude deixar isso acontecer? O momento em que fomos verdadeiros um com o outro foi o momento em que percebemos o quanto estávamos machucados!

Mas isso não é só privilégio meu, todo mundo passa ou já passou  por isso( e quem não passa nem passou, certamente passará)! Às vezes ficamos queitos para não brigar por besteira, ou  por que pensamos que é besteira mesmo, mas na verdade aquilo incomoda. Dai pra frente é como uma bexiga sendo enchida vagarosamente, vai enchendo, enchendo, até que estoura. (Não pensem que roguei uma praga quando disse que quem não passou por essa situação certamente passará, na verdade eu apenas coloquei dessa forma por que faz parte do ser humano. Não conheço ninguém que não engula alguns sapos de vez em quando em nome de uma convivência harmoniosa.)

A bola de neve que se forma e cria dentro da gente essa vontade de se afastar é devastadora, e muitas vezes permanente. Será que tem um jeito de pará-la? Uma solução - muitos diriam- seria sempre dizer quando algo nos incomoda! Mas até que ponto isso seria uma solução? Nossa intolerância natural para com os defeitos e manias dos outros provavelmente nos faria viver isoladamente, já que todas as pessoas tem prós e contras (incluindo eu, você e quem mais quer que seja!). Talvez o mais sensato  seja buscar aceitar a pessoa como ela é! Mas não aquela aceitação falsa, que diz que apesar de dizer que aceita, na verdade sente pontadas na alma, aguentando tudo, calada pela hipocrisia. Não! Eu falo de uma aceitação sincera! Muitos falam de se colocar no lugar da pessoa, mas a maioria faz esse exercício se esquecendo que a pessoa age, pensa e sente diferente. É um tipo de exercício que exige auto-conhecimento e sensibilidade apurada. Ou seja, quase impossível de ser feito e só grandes almas são capazes de exercer!

É, parece que não tem jeito! Sempre vamos acabar magoando alguém e alguém sempre vai acabar nos magoando. Faz parte dos relacionamentos, sejam eles quais forem. Bem, mesmo sem saber como evitar, existe sempre uma forma de consertar - ou pelo menos tentar - , e vai ver que é por isso que eu goste desse sentimento nostálgico que bate às vezes. A gente revive aquelas cenas dando valor só as coisas que realmente importavam! E quanto aos pequenos incômodos que geraram a briga...bem, como eu disse eles voltam na memória também, e voltam exatamente como eles são, pequenos.

E-mails de reconciliação enviados.